Criar o hábito de usar a bicicleta como meio de transporte ainda é um desafio para a maioria das grandes cidades do Brasil.
Apesar de teoricamente esta ser uma opção viável e barata, acaba não sendo utilizada em todo seu potencial porque os meios urbanos ainda não conseguiram o planejamento correto para isso, ou seja, continuam privilegiando o trânsito de carros, o que prejudica o deslocamento de pedestres e ciclistas, além da falta de segurança.
A expansão do uso da bicicleta poderia reduzir os gastos com saúde pública e até impulsionar a economia da capital paulista, segundo estudo do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). A Pesquisa de Impacto do Uso da Bicicleta na Cidade de São Paulo estimou em R$ 34,4 milhões por ano a economia que o Sistema Único de Saúde (SUS) teria com a redução das internações por problemas no aparelho circulatório e diabetes, se o transporte ativo por duas rodas fosse usado no máximo do seu potencial.
Para fazer a estimativa, o estudo avaliou o percentual de viagens de ônibus e de carro que poderiam ser substituídas por trajetos de bicicleta. São as viagens pedaláveis ou facilmente pedaláveis, deslocamentos de até 8 quilômetros realizados entre as 6h e as 20h por pessoas de, no máximo, 50 anos. Se enquadram nessa categoria, 31% dos deslocamentos feitos por ônibus, meio de transporte usado em 35% do total de viagens na cidade de São Paulo; e 43% dos feitos por automóvel, transporte usado em 31% dos deslocamentos na capital. O restante, 34% das viagens, é feito por meios menos poluentes, como o metrô, ou com a combinação de mais um modo de transporte.
A partir do uso da bicicleta, seria possível, segundo o estudo, reduzir o fator de risco da falta de atividade física para aparecimento de diabetes e doenças cardiovasculares. Pessoas que não praticam atividades físicas têm o dobro de chances de ter um infarto do que os que fazem exercícios regularmente. Enquanto para hipertensão e diabetes, a chance é 50% maior em comparação dos mais sedentários em relação aos que mantém atividades com frequência.
Com isso, foi estimada uma economia de 13% nos R$ 255,2 milhões gastos anualmente pelo SUS no município com tratamento de doenças do sistema circulatório. Em relação à diabetes, a redução potencial ficou em 8% dos R$ 6,2 milhões usados para remediar complicações causadas pela doença.
A substituição dos carros e ônibus pela bicicleta traria ainda, de acordo com a pesquisa, uma série de impactos positivos sobre as riquezas produzidas pela cidade, medidas pelo Produto Interno Bruto (PIB). Os ganhos viriam da redução do tempo de deslocamento e da diminuição de gastos com transporte, levando o dinheiro economizado para outros produtos e serviços. Somente a diminuição dos congestionamentos poderia elevar em 0,035% o PIB municipal, injetando R$ 225 milhões na economia da cidade.
O ganho de tempo com a substituição dos deslocamentos de ônibus por bicicleta representaria, segundo a pesquisa, um ganho de R$ 623 milhões por ano, além dos R$ 18,7 milhões que deixariam de ser perdidos com o tempo economizado com as viagens de carro. De acordo com a pesquisa, ao usar a bicicleta, o passageiro dos coletivos deixam de passar, em média, 19 minutos por dia no trânsito, e para os motoristas de automóveis o ganho de tempo é de cerca de 9 minutos diários.
Os deslocamentos por bicicleta ainda enfrentam, entretanto, uma série de entraves na capital paulista. A diretora da Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo (Ciclocidade), Aline Cavalcante, destacou que é necessário ampliar a infraestrutura voltada para o meio de transporte. “Os ciclistas iniciantes demandam mais por infraestrutura do que os que já são experientes. Então, para estimular o uso da bicicleta, em especial entre os que estão começando a fazer transição de modal, é necessário ter infraestrutura cicloviária”, ressaltou, em entrevista à Agência Brasil.
Além disso, Aline destaca a importância de que a malha cicloviária da cidade continue a ser expandida. “Hoje, o maior problema do ciclista urbano é como atravessar os rios”, diz a ciclista sobre a falta de conexões entre as ciclovias enfrentada em algumas partes da cidade.
“Hoje, não tem bem uma rede formada. A gente tem ciclofaixas espalhadas pela cidade”, enfatiza.
Os problemas de planejamento são, inclusive, de acordo com a ativista, um dos entraves para o aproveitamento das vias específicas. “Muitas vezes, aquela infraestrutura não está sendo utilizada, ou porque não é o melhor local para bicicleta, porque tem muita subida e tem uma alternativa mais plana; ou porque não está conectada com a rede”, analisa.
A expansão da malha cicloviária tem que vir, segundo a diretora da associação, acompanhada de outras medidas que tornem a circulação mais amigável para as bicicletas, como a diminuição dos limites de velocidade nas ruas e avenidas.
“O acalmamento do tráfego seria reduzir a velocidade nas vias urbanas. Isso é uma política global para reduzir o número de mortes de pedestres e ciclistas”, acrescenta.
Esse processo de mudança na lógica do transporte leva tempo, ressalta Aline. Por isso, a importância de estabelecer projetos de curto, médio e longo prazo para melhorar a mobilidade na metrópole.
“Eu diria que políticas públicas para se mudar uma cultura como a gente teve no Brasil, nos últimos 50 anos, tem que se pensar por aí, uns 50 anos”.
Segundo o estudo Economia da Bicicleta no Brasil, conduzido por pesquisadores do Laboratório de Mobilidade Sustentável da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Labmob/UFRJ), em parceria com a Aliança Bike, associação que reúne empresas do setor, a estimativa dos investimentos feitos em ciclovias, ciclorrotas e faixas compartilhadas nas 27 capitais. O cálculo, feito a partir do custo médio por quilômetro de via implantada em cada região do país, revela que o Poder Público destinou R$ 1,2 bilhão à implantação de mais de 3 mil quilômetros. São Paulo e Rio de Janeiro, somando R$ 540,1 milhões, receberam 45% do total investido.
“O desafio desse trabalho foi mapear e monetizar a economia da bicicleta no Brasil. É um estudo bem amplo (…), no qual identificamos um complexo sistêmico econômico, ou seja, há participação de diversas vertentes da economia, articuladas em rede. Identificamos cinco dimensões principais: cadeia produtiva, políticas públicas, transporte, atividades afins e benefícios”, disse o planejador urbano e coordenador executivo da pesquisa, Pedro Paulo Machado Bastos.
Dados da cadeia produtiva compilados pelo Labmob/UFRJ no período de 2006 a 2016, mostram que o setor vem se desenvolvendo. A indústria empregou mais de 7 mil pessoas em 2016 na fabricação de bicicletas, peças e componentes diversos, em 296 estabelecimentos em todo o país. Em 2006, a fabricação era responsável por pouco mais de 4 mil postos de trabalho. O estudo aponta, porém, ligeira trajetória de queda desde 2013, quando 8,8 mil trabalhadores atuavam no ramo.
A indústria produziu mais de 5 milhões de bicicletas no Brasil em 2015, gerando receitas de R$ 728 milhões e garantindo remuneração aos empregados do setor acima de R$ 14 milhões. Os números do levantamento indicam ainda leve queda do comércio varejista de 2011 a 2016, ano em que foram registrados 5.689 estabelecimentos empregando 13,7 mil pessoas.
Há, no entanto, empresas que crescem no setor. Segundo a plataforma de compra e venda online OLX, no primeiro trimestre deste ano, foram feitas mais de sete buscas por minuto por anúncios de bicicletas e componentes, e a cada minuto, uma venda foi concretizada. Foram 99 mil vendedores com negócios bem sucedidos, crescimento de 7,42% na comparação com o mesmo período de 2017. Rio e São Paulo ficaram com 32,06% dessas transações.
Representantes do setor apontam a ligação entre o aumento da infraestrutura e o crescimento econômico. A indústria da bicicleta é a maior beneficiada pelos investimentos nas cidades, mas o mercado brasileiro, muitas vezes, reluta em ver os benefícios da expansão cicloviária, diz João Guilherme Lacerda, integrante da Transporte Ativo, uma associação formada por defensores da mobilidade sustentável e da qualidade de vida.
“Aí, a pressão fica na mão de ativistas e ciclistas. Se o comércio e a indústria começarem a enxergar o potencial e a perspectiva de aumentar o faturamento, aí teremos um ganho de escala. É o que esperamos que aconteça”, acrescenta Lacerda.
O estudo do Labmob/UFRJ também apresentou uma estimativa de movimento de recursos em 203 eventos esportivos promovidos em 2016, que mobilizaram cerca de 37,5 mil participantes a um custo de R$17,1 milhões. Em relação à ciência, foram mapeados, entre 2007 e 2017, 124 projetos de pesquisa sobre a bicicleta, envolvendo 270 pesquisadores e R$ 3,67 bilhões em financiamentos.
Além disso, foi feita uma análise qualitativa e quantitativa, com base nos hábitos de cinco famílias da região metropolitana do Rio de Janeiro. Em uma família de classe A, por exemplo, constatou-se que deixar de usar transporte individual privado de plataformas como Uber ou 99 e recorrer à bicicleta chega a gerar economia anual superior a R$ 10 mil.
Levantamento semelhante, publicado pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), mostrou que a substituição do carro pela bicicleta na capital paulista poderia resultar em queda de despesas de R$451 por mês.
*Com informações da Agência Brasil, G1 e Cebrap.